Damos início às
comemorações do Mês Internacional das Bibliotecas Escolares (MIBE) 2017, sob o
lema “Ligando Povos e Culturas”,
publicando um texto gentilmente cedido por uma ex-aluna.
Não havendo Sol, há Lua
Nasceste,
e contigo nasceu o Sol. Foi um amor de primeira vista.
Tudo te fascinava acerca dele: a luz que
preenche os espaços entre as nuvens; os raios multidirecionais que iluminam
tudo o que o teu olhar alcança; o jogo de reflexos que cria quando está por
cima do mar; como se esgueira por entre as copas das árvores; as agradáveis
sombras de verão; como se debruça no horizonte ao fim do dia.
Apaixonas-te por tudo isto, por isso, só
existe definição para "o sentido das coisas" se houver Sol.
Durante o dia, havendo luz, o Sol perpetua-se
em ti.
Agora, depois de se despedir de ti e de todos,
fica somente o rasto que deixou atrás. As tonalidades de rosa, alaranjado,
lilás, violeta, que fazem as nuvens corar durante o "Adeus". Depois,
todo o brilho se esbate, dando lugar ao principiar da Noite.
Mostra-se a primeira estrela, a que indica o
Norte, e tu, com o coração a gemer de saudade, desfeito em choro, anseias,
desesperadamente, que o ciclo solar recomece, que o Dia nasça outra vez.
Mas não! Cada coisa a seu Tempo! Agora tens de
esperar... Tens de atravessar a noite.
A escuridão começa a entranhar-se pelas ruas.
Sentado na cómoda, do lado de fora do quarto - na varanda, com um cigarro aceso
e um copo de moscatel no peitoril - observas quem passa, absorves os movimentos
de quem leva uma vida lucífuga. Chamas-lhes Morcegos, porque só andam de noite,
enquanto o resto da cidade se prepara para dormir.
Sem dares por isso, começas a despertar um
interesse incógnito nas danças das estrelas. Elas vão aparecendo, por ordem
crescente - da maior à mais pequena.
Formam-se figuras. Identificas a primeira. São
7 irmãs: Dubhe, Merak, Megrez, Alioth, Mizar e Alkaid.
Emerge, por último, a Feiticeira, num mar de
ínfimos pontos luminosos, o astro mãe da noite surge como um holofote que te
encandeia.
Num ímpeto de contrastes, entre a sombra e a
luz, deslumbras-te por aquela que simbolizou a tua espera pelo Renascer do Dia.
Mas, agora, à tua frente aparece suspensa, num
tabuleiro de brilhos, o teu segundo amor - a Lua. Nada mais importa, tudo é
efémero, comparado com esta visão sedutora que vai perdurando.
A tua paixão precoce é tão sorrateira que, pé
ante pé, se vai camuflando entre a névoa. Ela mente, é fatal, é mística... É a
que controla as marés, os mares, os oceanos; a que comanda.
Sem que o sono te perturbe, passas horas a
admirar o teu novo quadro predileto.
Mas, o tempo passa... E com ele vem, de novo,
o despertar da cidade, o raiar do Dia.
Foi este o momento por que tanto
(des)esperavas, rapaz!
Mas, mais um vez, o teu coração tornou a
gemer, desta vez com mais força ainda. Soava a tortura, uma profunda
infelicidade.
Só desejavas a Lua, a Noite, as estrelas, os
Morcegos.
A tua infelicidade era tão imensa e tão
visceral que, para te poupar a esse sofrimento, as mesmas nuvens que
emolduraram a Lua, cobrem, nesse instante, o Sol, fazendo-o desaparecer.
O dia tornou-se áspero, o vento rasgava as
folhas das árvores, amachucava os jornais, desfazia os ninhos e alvoraçava
cabelos. A turbulência, o caos, a desordem.
As nuvens, inevitavelmente movidas de pena,
deixam as lágrimas cair sobre a cidade.
Nada disto te importa, só tens olhos para Ela,
para a Lua. Quer-la mais do que tudo, por isso esperas e esperas e esperas...
O ritmo tempestuoso abrandou quando o último
raio de luz desapareceu.
Paira uma calmaria perfumada na varanda de
onde não sais faz dois dias. Sentes o pulsar do coração cada vez mais ativo, a
inquietação toma conta de ti e só sossegas quando vislumbras, ao longe um
brilho florescente que se destaca de todos os outros.
No entanto algo parece estar errado...
A forma geometricamente perfeita perdeu-se. A
Lua perdeu um pedaço de si quando ascendeu ao céu noturno.
Não foi por este corpo deformado que te
apaixonaste.
O Tudo perdeu o sentido do Todo. Adeus Sol,
adeus Lua.
Pára!! Vai dormir!! Quem Sol e Lua quer, Sol e
Lua perde.
Sol ou Lua, Sol e Lua, dois enigmas, um só
mistério.
Texto
por: Ruana Lopes