Ler com os sentidos, com todos, sem descriminação. Esta é a
mensagem que quero partilhar com todos e todas, sem exceção. Nestas férias li
apenas dois livros nos quais me inspirei para escrever este texto que partilho
convosco.
Há tantas formas de ler. Deitado, sentado de pernas cruzadas,
em pé, depressa ou devagar. Ler com os sentidos, com o olhar, com o sabor, com
o saber ouvir, com estas mãos que partilham palavras que formam frases, com o
sentido de fruir o prazer de ler cada frase, cada página que se vira.
Lembro-me dos tempos em que os livros se passeavam numa
carrinha com estantes muito bem organizadas e me visitavam quinzenalmente.
Pensava sempre qual seria o dia fatídico em que aqueles livros ganhavam vida e voavam
dali para fora. Ainda bem que viviam ali aprisionados para os poder ler todos.
Não havia mais nada para ler, ali à mão! Ainda bem que hoje temos tantos livros
para escolher! E lemos?
Nem de propósito! A caixinha mágica está agora a falar dos
livros, dos virtuais e dos reais, com cheiro a tinta. Dos poucos que ainda
lemos.
Mas voltemos aos sentidos, ao perfume das palavras que inalam
dos textos poéticos ou aqueles que, em prosa, nos transportam para os sabores,
para os sentimentos, para os cheiros. Os livros têm tantos cheiros como a
palete de cores do pintor e tantos sons como as composições emanadas das teclas
do piano, do saxofone, da bateria.
Experimenta inalar o cheiro de uma giesta ‘’(…) o ramo de
giestas que segura na mão e com frequência aproxima do nariz aspirando o cheiro
agradável das flores: odor a paz, a harmonia, a felicidade, assim dizia Simão
(….). Ele baixa-se, parte uma haste de giesta e guarda-a na mochila, parte uma
segunda, beija e aspira a florzinha amarela e prende-a numa casa de botão do vestido
de Teresa.’’[1]
Depois, suavemente, viaja até à página 257 e mergulha no
sofrimento e tenacidade de quem lutou pela liberdade ‘’(…) Sinto em todo o
corpo o pó da terra e das pedras, o cheiro do suor e da roupa suja. Dispomos,
cada um, de um litro de água para tomar banho: um camarada, colocado num plano
mais elevado, despeja sobre mim um terço da água disponível que prepara o corpo
para a ensaboadela, após o que, com o rigor e saber, deita os restantes dois
terços para limpar toda a espuma do corpo. A seguir, é a minha vez de fazer de
chuveiro. Temos 400 gramas de sabão por mês para lavar a roupa e para nos lavarmos.
A água salobra não faz espuma e esfrego a roupa com casca de coco e rama de
palmeiras’’.
Imagino esse quadro,
essa dor através da janela do meu quarto. Imagina tu também. Estás a ler, a
transpor a imagem do livro para a realidade.
Viajo de seguida, com uma mão cheia de sentidos, de vidas
coloridas, de amores verdadeiros, de dores que separam amantes em prol da luta
revolucionária para outras linhas que cruzam o amor natural, o erotismo da
poesia do grande poeta Carlos Drummond de Andrade e aí permaneço por uns dias
porque ‘’o amor não é completo se não sabe coisas que só o amor pode inventar’’[2].
E regresso novamente aos amores incondicionais de Marcos e Inês, vividos em
liberdade, sem constrangimentos e de Simão e Teresa, punido pela família, pelo
regime político, duas duplas de personagens que atravessam tempos diferentes
‘’o tempo das giestas’’.
Regresso de novo aos sentidos, com o sabor da Terra, do Alto
Alentejo.
Agora já não tenho um livro para ler. Sento-me no terraço,
sobre o planalto com o restolho da ceifa, o badalo das ovelhas ao longe,
inquietas com a falta de água, a noite que se aproxima, o cheiro a café torrado
e tudo o que nos dizem os sentidos. Regresso ao passado, viajo no tempo e
revejo-me no banco do largo à espera da carrinha que me traz outro livro para
ler.
Fátima Veríssimo
agosto/2016
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